Em julho deste ano, um ‘fenômeno’ começou a gerar debate entre gestores e lideranças de RH quando profissionais passaram a compartilhar em suas redes sociais a ideia de que “ir além do trabalho” é algo que precisa ser abandonado. Quiet quitting — ou demissão silenciosa — foi o termo cunhado para se referir ao assunto.
Esse movimento evidenciou outro tema, o qual vem impactando as estratégias das organizações há algum tempo — a busca, cada vez maior, por harmonia entre vida pessoal e profissional.
Embora visto com grande cautela por algumas lideranças — com o argumento de que “fazer apenas o mínimo necessário” colocaria em risco a capacidade de inovação e a competitividade organizacional —, o quiet quitting trouxe também uma oportunidade valiosa para as empresas: a de refletir sobre o tipo de relação que líderes vêm construindo com suas equipes.
Neste artigo, abordamos o quanto a demissão silenciosa está associada à busca por propósito e satisfação e apontamos caminhos para as lideranças enfrentarem com efetividade este que é um dos grandes desafios do mundo do trabalho moderno.
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Quiet quitting e a busca por propósito e satisfação profissional
É impossível falar sobre quiet quitting sem antes mencionar as profundas mudanças pelas quais o mundo de trabalho passou e vem passando.
No estudo The Great Realization, do ManpowerGroup, 5 mil trabalhadores em 5 diferentes países revelaram quais são suas urgências em um cenário de transformações velozes e rápida adoção digital.
3 em cada 10 trabalhadores querem mais tempo para cuidar da saúde mental
4 em cada 10 querem escolher em quais dias trabalham remotamente e ter a flexibilidade de mudar esses dias a cada semana
2 em cada 3 querem trabalhar para organizações com valores semelhantes aos seus
Como se vê, saúde mental, equilíbrio e flexibilidade são prioridades, mas cultura organizacional e propósito também importam. A esses fatores associados à busca por satisfação, soma-se o contexto de grande disputa por talentos enfrentado pelas organizações.
"Muitas pessoas tiveram a oportunidade de revisitar seus propósitos nos últimos anos. Em paralelo a isso, o mercado está enfrentando uma enorme escassez de talentos que aumentou o poder de escolha de diversos profissionais. Hoje, há uma forte preferência por oportunidades que satisfaçam tanto o âmbito profissional quanto pessoal.”
Wilma Dal Col, Diretora de Gestão de Carreira e Talentos na Talent Solutions Right Management
Qual, então, o caminho para suprir as demandas dos colaboradores nesses tempos em que o movimento quiet quitting se espalha para muito além das bordas conceituais? Em outras palavras, como engajar e motivar Pessoas a fim de que elas continuem entregando o melhor de si em prol do sucesso dos negócios? Essa é uma resposta que as lideranças precisam encontrar.
Por que o quiet quitting não é sobre funcionários ruins?
O quiet quitting não é, apenas, um movimento encabeçado por jovens da geração Z que defendem a entrega do ‘mínimo necessário’ no trabalho. Aliás, esse é um conceito bastante restrito, que não nos ajuda a compreender a questão com a devida amplitude, a fim de buscarmos caminhos efetivos para uma solução.
Pesquisa publicada pela Harvard Business Review mostrou que as demissões silenciosas, na verdade, estão relacionadas também com a forma como os colaboradores percebem e se relacionam com seus líderes e gestores.
O estudo, que coletou dados de quase 3 mil líderes junto a mais de 13 mil liderados, constatou que os profissionais se sentem motivados a entregar mais no trabalho quando seus gestores diretos são capazes de construir uma relação de confiança com a equipe.
Tanto que os gestores avaliados como menos eficazes tiveram 14% de seus liderados “desistindo silenciosamente”. Já os que foram capazes de equilibrar resultados com o fator relacional viram apenas 3% de seus funcionários recorrendo à demissão silenciosa.
“O único caminho possível para lidar com o quiet quitting é preparar as lideranças”, diz Wilma Dal Col. Na visão dela, líderes precisam investir em conversas de carreira regulares com seus liderados. “Por estarem ligadas a propósito e ao que traz satisfação, tais conversas são uma poderosa ferramenta para engajar e impulsionar Pessoas dentro das organizações.”
É preciso entender o que move suas Pessoas
Uma prática ineficaz, além de bastante delicada do ponto de vista ético e jurídico, é forçar o trabalhador possivelmente insatisfeito com o trabalho a pedir demissão, aplicando o que podemos chamar de quiet firing.
Agindo assim, corre-se o risco de perpetuar o movimento de demissão silenciosa dentro da organização — o que pode ser extremamente prejudicial aos negócios e à reputação da marca no mercado.
Em vez disso, é fundamental compreender o que se passa com o profissional, apoiando-o no enfrentamento de suas questões.
“Conversar sobre resultados e desempenho é importante, mas não pode mais ser o único foco. Para extrair o melhor de um colaborador, é preciso entender quais são suas perspectivas de vida e como a carreira se alinha a elas.”
Wilma Dal Col, Diretora de Gestão de Carreira e Talentos
Tudo começa com estabelecer uma relação de confiança com seus liderados, para que, a partir de conversas importantes — e poderosas —, você compreenda o que move suas Pessoas, ou seja, quais seus propósitos de vida e carreira e de que forma a organização pode contribuir para que haja conexão entre as expectativas dos colaboradores e os objetivos do negócio.
Mais do que sobre ‘funcionários ruins’, o quiet quitting é sobre preparar as lideranças para lidar com os anseios de seus liderados. Sendo assim, o caminho é fortalecer a relação com o colaborador e a equipe, aliando satisfação e performance, com estratégias que potencializam Pessoas, para que elas entreguem resultados que vão impulsionar os negócios.
E você, como enxerga este assunto? Comente para ampliarmos o diálogo.
Aproveite, também, para conferir o artigo de Wilma Dal Col sobre o papel do líder no bem-estar da equipe.