Clique no play para conferir a versão em podcast deste conteúdo!
Antes mesmo da pandemia e do trabalho remoto, as pessoas saíam dos escritórios e não se desconectavam totalmente das demandas do trabalho. Da mesma maneira, elas não saíam de casa abandonando suas atividades e preocupações particulares. Ou seja, o espaço mental dos profissionais já era compartilhado antes do home office ser disseminado. Refletindo sobre isso, fico me perguntando se o espaço geográfico é mesmo a única forma de separar a vida pessoal da vida profissional.
Recentemente, assisti à série ‘Ruptura’, na qual profissionais de uma grande empresa optam por fazer um procedimento cirúrgico que deleta memórias do trabalho quando estão fora da empresa e apaga as lembranças pessoais quando estão dentro do escritório. Ao mudarem de local, assumem somente uma ‘identidade’. Com uma fotografia incrível, a narrativa nos permite visualizar como seria se pudéssemos separar radicalmente uma coisa da outra e reflete um anseio que atravessa a experiência dos trabalhadores no mundo do trabalho moderno.
A pandemia forçou pessoas a mudarem suas rotinas e teve seu papel na fusão mais profunda entre vida pessoal e profissional, adicionando, agora, uma nova camada: o espaço físico como palco para as duas vidas acontecerem, simultaneamente. Além da mistura de reuniões com preparo do almoço, e dos relatórios com os filhos chamando, os casos de burnout estouraram, afinal, a sobrecarga e a pressão excessiva, que já eram realidade em muitos locais de trabalho, foram impulsionadas pela dificuldade em estabelecer limites em uma dinâmica hiperconectada — o computador está logo ali na mesa da sala e o celular sempre ao alcance das mãos para enviar um último e-mail.
Nesse sentido, o home office e o trabalho remoto tocaram os alarmes para empresas e trabalhadores sobre como as esferas pessoais e profissionais atravessam uma a outra, fazendo-nos questionar de que forma, então, tornar essa relação mais saudável. Apesar da série mostrar uma realidade em que não há um encontro entre esses dois mundos, sabemos que, hoje, isso é impossível. Primeiro, porque somos seres complexos e com múltiplas dimensões e texturas. Além de que compartimentalizar a vida nos retira o trunfo dos aprendizados, dos conhecimentos e das relações que nos abastecem como fontes de criatividade, soluções de problemas e sentimento de comunidade, no trabalho e na vida pessoal.
Assim, resta-nos construir uma nova realidade em que vida pessoal e profissional coexistam em acordo. E essa é uma demanda dos próprios trabalhadores. De acordo com nossas investigações sobre as tendências do trabalho, ouvimos que:
4 em cada 10 PESSOAS querem escolher em quais dias trabalham remotamente e ter a flexibilidade de mudar esses dias a cada semana.
3 em cada 10 trabalhadores querem mais tempo para cuidar da saúde mental para evitar burnout.
Fonte: The Great Realization: panorama do mundo do trabalho 2022
Organizações mais atentas já começam a se movimentar para corresponder à expectativa de conciliação entre os dois mundos, partindo da premissa da flexibilidade na rotina em relação ao local de trabalho, horários e, algumas, até mesmo testando o formato de uma jornada de 4 dias por semana. Para isso, claro, a cultura da empresa precisa estar alinhada com o contexto flexível, preparando, especialmente, as lideranças para sair da postura de comando e controle para adotar estratégias que promovam a responsabilização, a autonomia e a confiança entre as pessoas. Comunicação e qualificação são imperativos.
Iniciativas voltadas ao apoio para questões mais particulares também fazem sentido. É o caso, por exemplo, das empresas pensarem em benefícios que abracem também os familiares — como auxílio para profissionais pais, licença-parental e seguro de saúde com dependentes. Como a pandemia escancarou, o mundo do trabalho precisa funcionar para as famílias.
Quase 1 em cada 4 trabalhadores está procurando empregadores que ofereçam benefícios como licença-parental e assistencial.
Fonte: The Great Realization: panorama do mundo do trabalho 202
Por fim, ações voltadas à qualidade de vida são muito bem-vindas — e necessárias. Da oferta de benefícios a programas de saúde integral, também considerando as diferentes realidades de cada pessoa em uma compreensão holística do ser humano, permitem que colaboradores se sintam amparados e motivados a cuidar de si, incrementando a experiência positiva no lado pessoal.
Jeff Bezos, em 2018, afirmou que "se estou feliz em casa, entro no escritório com uma energia tremenda. E se estou feliz no trabalho, volto para casa com uma energia tremenda. Na verdade, é um círculo. Não é um equilíbrio". Agora, mais do que nunca, nossas diferentes dimensões humanas dialogam no tempo e no espaço, e empresas podem ajudar profissionais a ter condições e a encontrar oportunidades de conciliar demandas da vida pessoal e profissional com mais tranquilidade, fortalecendo o círculo entre bem-estar das pessoas e prosperidade dos negócios.
Espero que o artigo tenha provocado reflexões frutíferas para sua empresa e seu trabalho enquanto líder organizacional. Até o próximo!
Ana Guimarães,
Diretora de Operações no ManpowerGroup Brasil
Publicado originalmente em: https://bit.ly/3a1V9wc