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As principais diferenças entre líderes bons e ruins podem ser observadas mais facilmente em momentos difíceis.
Embora nosso bem-estar, sucesso e destino sejam, em grande parte, determinados por nossos líderes (nascemos em sociedades, instituições e culturas que são criadas, moldadas e controladas por eles), frequentemente não temos clareza sobre as qualidades que potencializam o talento de liderança de uma pessoa. Obviamente isto é um problema, uma vez que significa que, mesmo em uma democracia, corremos o risco de atribuir responsabilidades e confiar nosso destino à pessoa errada, e fazer escolhas contraproducentes ou autodestrutivas.
Infelizmente, este problema é particularmente evidente em épocas turbulentas, exatamente quando menos podemos nos dar o luxo de ter líderes ruins. Portanto, enquanto as más escolhas de um líder podem ficar impunes ou até mesmo passarem despercebidas durante períodos positivos (minimizando os possíveis prejuízos que os líderes desinformados possam causar para os seus grupos e sociedades), em períodos difíceis elas não apenas deixarão claros, mas também amplificarão os efeitos negativos de uma liderança incompetente.
Felizmente, não é preciso escolher entre um líder bom para os períodos positivos e um para os períodos negativos. Na verdade, os principais ingredientes da boa liderança, isto é, a competência, a humildade e a integridade, são universais e sempre desejáveis com relação aos seus opostos: a incompetência, a arrogância e a desonestidade. Porém, os benefícios da boa liderança (e os custos da má liderança) são ampliados quando surgem desafios reais, uma vez que, nesses momentos, a liderança é fundamental.
Enquanto o mundo luta para conter a pandemia do coronavírus, nós testemunhamos, apreensivamente, a forma como nossos líderes estão respondendo a este teste sem precedentes. Embora a natureza, a escala e as consequências desta ameaça continuem sendo incertas, podemos ter certeza de uma coisa: alguns líderes serão mais capazes de lidar com esta crise e reduzir as perdas para os seus grupos (isto é, equipes, funcionários, organizações, comunidades e sociedades como um todo). E, apesar de não sabermos exatamente o que nossos líderes precisam fazer para abordar este complexo desafio, podemos considerar, com certeza, que algumas qualidades de liderança desempenharão um papel importante na determinação da eficácia de suas decisões e da possível natureza dos resultados.
Particularmente, a probabilidade de uma pessoa liderar com eficácia durante uma grande crise dependerá, em grande parte, de quatro aspectos específicos do potencial de liderança:
(1) Inteligência: discussões populares sobre o que constitui uma boa liderança raramente destacam o papel central da inteligência, apesar da existência de um vasto conjunto de pesquisas acadêmicas que demonstra que os líderes estão muito mais preparados para enfrentar uma crise – e seus seguidores e subordinados enfrentam circunstâncias muito melhores – quando eles são mais inteligentes. Não me refiro ao QE ou à inteligência emocional, mas à capacidade cognitiva ou intelectual. O mundo atual é, mais do que nunca, orientado por dados. Portanto, se os líderes não tiverem capacidade de ser factuais, de raciocinar logicamente e adotar uma abordagem baseada em evidências para tomar suas decisões, eles serão deficientes. É importante notar que “inteligência” também se refere à capacidade de aprender e se adaptar. Portanto, os grupos enfrentarão circunstâncias muito melhores se os seus líderes forem inteligentes, especialmente em face a ameaças e desafios sem precedentes. Quando é necessário resolver apenas os problemas antigos e continuar fazendo o que sempre foi feito, não é preciso ter muita inteligência e, nem mesmo, muita liderança. Embora seja melhor ter mais inteligência, os líderes precisam, pelo menos, ultrapassar o nível médio de inteligência de seus grupos, de forma que faça sentido para o grupo seguir o seu líder (em vez de seguir seus próprios instintos).
(2) Sensibilidade precisa contra ameaças: fala-se muito sobre a importância de se ter líderes calmos e serenos. Porém, um falso sentimento de segurança pode ser extremamente problemático, particularmente em face de ameaças reais. Para se ter certeza disto, a principal função de um líder não é manter o seu grupo calmo e feliz, mas mantê-lo a salvo (refiro-me aos aspectos objetivos, e não aos subjetivos). Isto será possível apenas se os líderes tiverem uma percepção precisa das ameaças e perigos de seu ambiente, isto é, eles não podem ser nem inseguros, nem excessivamente confiantes. Em outras palavras, queremos que a pessoa encarregada de nos proteger faça uma avaliação precisa dos riscos e problemas futuros, de forma que ela possa equilibrar a nossa própria sensibilidade com relação a ameaças. Quando aceitamos esta premissa, vemos que, em determinadas circunstâncias (inclusive extremas), é muito melhor ter um líder um pouco pessimista, ou até mesmo paranoico, do que ter um líder excessivamente otimista ou presunçoso. Quando um grande caminhão vem em nossa direção e está prestes a colidir conosco, a última coisa que queremos é um líder que reforce um falso sentimento de segurança para manter as pessoas calmas, tranquilas e imóveis no meio da estrada. Na verdade, existe um estágio do ciclo de uma crise em que a resposta coletiva é o excesso de pânico. Portanto, os líderes precisam ser capazes de ajudar acalmando as pessoas, em vez de alarmá-las. Contudo, ser cauteloso demais e mais pessimista do que otimista pode impedir que as pessoas alcancem esse estágio, antes de qualquer coisa.
(3) Coragem: a maioria das decisões são mais fáceis de serem tomadas quando as coisas estão indo bem. Porém, para um líder, não existem decisões fáceis em épocas difíceis. Por outro lado, parece bastante óbvio que os líderes precisam de coragem para liderar com eficácia, ainda que a verdadeira importância da coragem só seja mostrada quando os líderes enfrentam escolhas difíceis, tais como fazer as opções menos prejudiciais entre tantas alternativas ruins ou negativas. Note-se que, uma vez que as crises (por definição) são uma exceção, e não a regra, podemos esperar dos líderes que eles operem com uma relativa eficácia, mesmo sem demonstrar muita coragem. De fato, caso o seu objetivo seja perpetuar o status quo, e o seu compromisso seja manter a continuidade, em vez de promover mudanças, a coragem poderá parecer um acessório interessante, porém trivial, no repertório das competências da liderança. Mas, mais uma vez, se você pensar bem, a continuidade e a perpetuação do status quo não condizem com qualquer noção de liderança: se você foi contratado para manter as coisas como elas são, e assegurar que tudo continuará na mesma, será que podemos realmente chamá-lo de ‘líder’? Se o seu maior mérito como líder é não piorar as coisas, seguramente, devemos evitar parabenizá-lo (ou, talvez, seja o momento de elevar as nossas expectativas).
(4) Confiabilidade: as três qualidades anteriores são realmente importantes, mas elas serão inúteis se não pudermos confiar no líder. A confiabilidade é uma virtude óbvia da liderança, em parte porque ela é muito complexa, elusiva e difícil de prever antes que seja tarde demais (normalmente, você só tem certeza de que alguém não é confiável após ter cometido o erro de confiar nele/nela e pagar um preço por isso). Escolha qualquer líder, e, certamente, ele será visto com confiança por uns e com desconfiança por outros. Um dos lados está errado, mas isto só será confirmado pelos acontecimentos. Assim como é difícil culpar as pessoas por confiarem em seus líderes, é fácil perceber que estamos igualmente sujeitos aos mesmos erros, embora não seja comum admitirmos os nossos erros. É por essa razão que, frequentemente, toleramos o desempenho ruim de líderes quando os escolhemos, simpatizamos com eles, ou decidimos confiar neles antes de qualquer coisa. Porém, a essência da confiabilidade permanece: nenhum líder será capaz de lidar com uma crise caso ele perca a confiança das pessoas. E, embora frequentemente estejamos errados quando decidimos confiar em um líder antes de qualquer coisa (na ausência de dados ou provas suficientes, somos guiados por nossa intuição), em geral, estamos certos quando, finalmente, percebemos que ele deixou de ser confiável (por exemplo, quando for exposto por uma crise).
Portanto, se você é um líder, o que isto significa para você? Basicamente, duas coisas. A primeira é que a sua capacidade de liderar as pessoas durante uma crise – inclusive a atual pandemia global – será significativamente maior quanto mais forte você for com relação a estas quatro principais dimensões da liderança. Em outras palavras, se você tiver uma tendência natural para liderar com inteligência, com sensibilidade precisa contra ameaças, com coragem e confiabilidade, então, aqueles que precisam se apoiar em você durante períodos difíceis estarão em muito boas mãos. O segundo aspecto, e que talvez seja mais aplicável à maioria dos líderes (uma vez que demonstrar níveis elevados de todas essas características é uma exceção, e não a norma), é o que você pode fazer para desenvolver mais capacidades em torno destas quatro características de gestão de crise. Neste ponto, a humildade é essencial, uma vez que você precisará aceitar que você não é tão bom quanto deveria para querer realizar self-coaching e melhorar. Com respeito a isto, as implicações são as seguintes: se você achar que não possui capacidade intelectual para lidar com um desafio cognitivo sem precedentes, indique as pessoas que possuem essa capacidade (crie uma equipe inteligente com pessoas orientadas por dados que possuam experiência técnica e que sejam capazes de tomar decisões mais inteligentes do que você tomaria se não contasse com elas); lembre-se, segundo Mark Twain, “a coragem é a resistência ao medo, o controle do medo – não a ausência do medo”. Entenda que será muito difícil as pessoas confiarem em você se você ficar mudando de ideia, ou disser uma coisa e fizer outra. Por fim, a confiança, a integridade e a confiabilidade saltam aos olhos do observador: se você atuar de forma honesta e demonstrar consistência entre o que você diz e o que você faz e o que você diz em momentos diferentes, ajudando os outros a entenderem o seu raciocínio, você conseguirá ganhar e manter a confiança das pessoas.
*Artigo de autoria de Tomas Chamorro-Premuzic, Chief Talent Scientist do ManpowerGroup, originalmente publicado no site da Forbes.