Encantamento, euforia, dúvidas, preocupações. São muitas as manifestações que surgem quando uma nova tecnologia desponta. Aconteceu com tantas antes e, agora, também com a chegada do ChatGPT e outras inteligências artificias, como o Bard, do Google.
No mercado de trabalho, profissionais se questionam sobre seus empregos e habilidades e se dividem entre abraçar ou resistir às mudanças. A discussão, no entanto, não é nova. Desde 2020, o Fórum Econômico Mundial aponta que nos cinco anos seguintes, ou seja, até 2025, 50% do trabalho será realizado por máquinas, alertando para uma mudança no hall de competências relevantes.
Diante do rápido avanço e do profundo impacto, afinal, como as pessoas podem lidar com a presença crescente da tecnologia nas empresas, em especial da IA?
O primeiro ponto que devo ressaltar é que os debates sobre os limites da inteligência gerativa são essenciais para que nós, enquanto sociedade, possamos garantir que direitos não serão violados e que a ética seja premissa em sua aplicação, não somente nas empresas.
Dito isso, tenho a visão de que a tecnologia é um meio. Um meio para gerar valor para nós, para nossas carreiras e para os negócios. Há alguns anos, não podíamos imaginar que um aparelho na palma da mão nos permitiria pagar contas, comprar os mais diversos itens, assistir vídeos, conversar com outras pessoas… E olhem só para nós hoje.
Desse modo, encaro a ascensão da inteligência artificial como oportunidade de alargarmos uma das capacidades humanas mais importantes: a adaptabilidade. Outro dia, conversando com pessoas da equipe do ManpowerGroup, me perguntaram se sentia receio de ser substituído pela IA. Essa abordagem me deu o espaço para compartilhar com elas uma das reflexões que faço acerca da tecnologia no mundo do trabalho e que toca justamente neste ponto da adaptação.
Há uma confusão entre as pessoas que são técnicas e as que são usuárias da tecnologia. Embora as habilidades digitais sejam, sim, muito relevantes para profissionais prosperarem — especialmente nas áreas mais impactadas — é importante lembrar que mais do que deter conhecimento técnico, é preciso adotar uma postura de usuário, o que significa estar disposto a aprender a todo momento sobre como recursos tecnológicos podem nos ser úteis.
Essa postura de aprendiz é o que nos faz, gradativamente, absorver as tecnologias em nossa rotina e integrá-las às nossas atividades e, assim, ter mais possibilidades de exercer nossa potência: a tecnologia é como uma aliada, serve como trampolim para nos levar, mas quem conduz tudo são as pessoas.
Acrescento aqui as contribuições para essa conversa que vêm diretamente do especialista Tomas Chamorro-Premuzic, Chief Innovation Officer do ManpowerGroup e autor do livro “I, Human: AI, Automation, and the Quest to Reclaim What Makes Us Unique” (Eu, humano: IA, automação e a busca para recuperar o que nos torna únicos, em tradução livre).
A lente usada por ele para falar da inteligência artificial é aquela que valoriza o que nos torna essencialmente humanos e, principalmente, seres singulares e, vejam só, conectados uns aos outros.
“O que nos resta é lidar com os problemas das pessoas, lidar com os humanos, dar validação aos indivíduos. Os humanos sempre anseiam por afeição humana, por compreensão humana.”
Tomas Chamorro-Premuzic, para o podcast The New Way We Work
Caminhos para colocar isso em prática? Existem. Vou me ater a duas das possibilidades exploradas por Tomas, em seu artigo 5 Ways to Future-Proof Your Career in the Age of AI, porque elas traduzem competências socioemocionais e da preservação da nossa autenticidade.
A primeira é reconhecer o poder das conexões humanas. A inteligência artificial não consegue sentir, se emocionar, ter empatia — embora use palavras para simular isso. Também não preenche e não pode impedir que encontremos significado nas relações e valor que nasce da troca de ideias, da associação de pensamentos de pessoas diferentes, com repertórios diferentes. Sendo assim, não abra mão de estar com pessoas e de aproveitar esses momentos para aprender com elas. Essas pontes criam diferenciais para nossas jornadas profissionais e pessoais.
O segundo caminho trata da importância do senso crítico diante das informações e discursos da inteligência artificial, também para preservar nossa originalidade como pessoas e trabalhadores. Se máquinas funcionam baseadas na previsibilidade, as respostas e os conteúdos podem homogeneizar os pensamentos e o conhecimento — portanto, use-as como uma base, mas questione os conteúdos e não esqueça de buscar experiências diversificadas para não se prender ao que dizem os algoritmos.
A revolução digital transformou e seguirá transformando nosso modo de viver, de consumir, de trabalhar e de se relacionar. O que não podemos perder de vista é que a participação da inteligência artificial e de outras tecnologias que possam surgir não deve desumanizar nossas atividades e ações, pelo contrário, talvez seja um lembrete do que devemos agarrar e cultivar enquanto pessoas e profissionais únicos, sensíveis e interdependentes que somos.
Sobre o encontro entre inteligência artificial e mercado de trabalho, qual é a sua visão? Como você enxerga as novas habilidades necessárias e maneiras de desenvolvê-las? Comente aqui e vamos trocar ideias.
Abraços,
Nilson Pereira
CEO do ManpowerGroup Brasil