Em uma cultura que nos ensina que manifestar sentimentos é sinal de fragilidade, e que a fragilidade é, por si, um fracasso, as emoções e as dúvidas têm pouco ou nenhum espaço para serem compartilhadas. Neste sentido, o mundo corporativo é ainda mais rigoroso, supervalorizando a neutralidade diante dos entraves e dilemas inerentes à experiência humana, especialmente quando se trata da liderança.
Por isso, se consideramos esses parâmetros, líderes se tornam líderes, porque seriam, entre outras coisas, imunes aos afetos, aos dilemas e aos erros. Ou seja, estariam acima, inclusive, da necessidade de conexão com as pessoas, nesse caso, seus liderados. Acontece que é pouco realista pensar que exista um ser humano intocado pela frustração, pela insegurança ou pelo equívoco, assim como dificilmente há quem viva e realize suas atividades profissionais sem vínculos.
A complexidade e as mudanças exponenciais nas quais as pessoas e o mundo corporativo estão inseridos atualmente trazem mais perguntas do que respostas, mais instabilidades do que certezas, expondo as dificuldades e as hesitações nas exigências impostas para os líderes.
Dessa forma, fica para as organizações o desafio e a coragem de criar uma ruptura frente a esse rigor, e a imposição, pouco realista, na atuação do líder, propondo o olhar para emoções e fragilidades da mesma forma como para fortalezas e talentos, ou seja, como fonte para uma experiência mais saudável na gestão, uma maneira de criar relações mais significativas com a equipe.
O formato remoto de trabalho, em conjunto com as transformações vividas nos últimos anos, reforçou a necessidade de engajamento, além de mostrar que os líderes não podem resolver tudo sozinhos. Mas, muito além de dividir um espaço físico, o que é capaz de nos conectar uns com os outros? De permitir laços reais?
Para nos aproximarmos do outro é preciso haver identificação. Essa identificação, por sua vez, é possível quando muros são derrubados e pessoas se enxergam como pessoas — para além de cargos e funções.
É aí que entra o poder da vulnerabilidade.
No dicionário, a vulnerabilidade é descrita como “algo que é sujeito a críticas por apresentar falhas ou incoerências”. Mas e se embarcássemos em (mais) uma desconstrução?
A pesquisadora Brené Brown, autora do livro A coragem de ser imperfeito, passou anos investigando temas como a vulnerabilidade e concluiu que, por meio dela, é possível ter uma vida mais harmoniosa, encontrar combustível para compaixão consigo e com os outros e, assim, construir laços mais verdadeiros.
Superando uma visão pessimista, ser vulnerável é assumir que sentimos medo, erramos, desconhecemos, choramos. É liberar o que acreditávamos, até aqui, que precisávamos esconder pelo receio do julgamento e da inadequação a um papel esperado de nós.
Isso pode parecer abstrato, mas pesquisas já apontam os benefícios da vulnerabilidade no mundo do trabalho. Um estudo da Catalyst, em 2021, apontou que 17% dos colaboradores tendem a entregar mais do que foi pedido e são 12% mais criativos quando notam que seus líderes demonstram ser vulneráveis. No entanto, somente 24% dos entrevistados dizem que veem manifestações de vulnerabilidade em seus gestores.
Seja pelo receio de perder a autoridade ou pelo simples fato de seguir um padrão, líderes têm dificuldade de serem vulneráveis — e fazem isso por proteção, assim como todos nós. Mas, ao desconsiderar essa postura, podem estar perdendo uma grande oportunidade de impulsionar a si mesmos e a equipe.
Primeiro, porque líderes estão sob intensa pressão e precisam de recursos — tempo e espaço — para cuidarem da saúde mental, que, invariavelmente, passa pela segurança psicológica e pela inteligência emocional. Para incentivar esse comportamento e, gradualmente, mudar a mentalidade, organizações precisam fornecer, de forma gentil e confortável, treinamentos, apoio e vivências para as lideranças adotarem uma postura mais humanizada.
Outra forma eficaz para desenvolver a liderança vulnerável é traçar metas coletivas para fomentar a colaboração e a conexão com a equipe — o que estimula e favorece as relações interpessoais, tornando sistêmica e integrada a busca pelos resultados.
Vale ressaltar que, ao dividir erros, acertos, sentimentos e dúvidas, as outras pessoas também sentem que podem fazer o mesmo, tornando íntegro e coerente o comportamento “Walk the talk”, o que gera um fator fundamental no trabalho: a confiança. Confiar no líder promove mais segurança para criar, errar, aprender, desenvolver, potencializando o desempenho das pessoas, a capacidade de inovar e o elo com a empresa.
A mesma pesquisa mostra que 61% dos profissionais dizem ter mais probabilidade de permanecerem na empresa quando acreditam em seus líderes — o que em um cenário de escassez de talentos e alta competitividade significa estratégia de atração e retenção.
Se as capacidades humanas estão em voga e o desenvolvimento de lideranças cada vez mais dialoga com elas, é preciso que a vulnerabilidade seja incluída nesta jornada, pois é esta força que pavimenta caminhos a outras habilidades importantes, como a empatia, a colaboração, a gestão das emoções.
Como você avalia a sua relação com a vulnerabilidade? Nota que a sua equipe recorre a você para dividir sentimentos e conversar sobre falhas? Como as demais lideranças lidam com a exposição da vulnerabilidade? Aproveite este artigo para refletir e, acima de tudo, compartilhar o que mais impactou sua leitura e percepção.
Abraços,
Wilma Dal Col
Diretora de Gestão Estratégica de Pessoas no ManpowerGroup Brasil