A intersecção entre a equidade de gênero e o mundo do trabalho nos traz uma série de reflexões importantes, não só do ponto de vista dos negócios, mas, principalmente, para avançarmos enquanto sociedade. Em março, devido ao Dia Internacional das Mulheres, debates sobre o tema são aquecidos, provocando as empresas a repensarem suas estratégias de inclusão, ainda mais agora em que as políticas de ESG (Environmental, Social and Governance, em inglês) demandam ações efetivas em benefício da comunidade - e são cada vez mais valorizadas pelo público interno e externo.
Neste contexto, preparamos conteúdos especiais que abordam a presença feminina e a relevância dessa participação que, quando não impedida, é invisibilizada. Aliás, este foi nosso ponto de partida para discutirmos a questão da equidade de gênero: o preconceito com as mulheres, historicamente, leva ao pouco ou ao nenhum acesso a determinados espaços - escolas, universidades, áreas do conhecimento -, fazendo com que seus talentos, atividades, contribuições tenham sido colocadas à margem das narrativas predominantes.
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Hoje, apesar de conquistas importantes, atravessamos um momento desafiador para a presença feminina no mundo do trabalho. Com a crise sanitária e econômica, a participação delas atingiu o menor nível dos últimos 30 anos, em 2020, segundo a Pnad Contínua. As mulheres também têm mais dificuldade de retornar ao mercado após a retomada. Na liderança, a porcentagem caiu - em 2016, o IBGE registrou 39,1% de ocupação, enquanto em 2019, este número foi para 37,4%. Esta última edição da pesquisa foi divulgada no início de 2021 e, com o aumento da disparidade nos últimos dois anos, essa queda deve ainda ser maior.
Assim, para reconhecer, valorizar e convocar empresas e pessoas à mudança, chegamos ao chamado: Mulher, presente. É a hora de impulsionar a participação das mulheres, dando os créditos àquelas que têm papel na história e nas trajetórias de outras mulheres - afinal, para chegarmos aqui, muitas outras abriram caminhos - bem como construir a mudança que queremos. Acelerar a equidade de gênero é missão para o agora.
Além de contribuir para que mais mulheres sejam contratadas, promovidas, reconhecidas e respeitadas, ouvidas, uma pesquisa da Mckinsey mostra que empresas com mais lideranças femininas têm resultado operacional 48% superior. Para alimentar o movimento de inclusão e de geração de oportunidades em pé de igualdade nas cadeiras da liderança na era digital, convidamos Milena Pacheco, Consultora de Carreira e Desenvolvimento de Talentos, para contar sobre sua história, valorizar as mulheres que fizeram parte da sua jornada e também apontar direções para que organizações transformem suas atitudes e para que mulheres se sintam motivadas a buscar seus objetivos como gerentes, coordenadoras, C-level. Enfim, onde quiserem estar.
Vamos à entrevista!
Milena, para começar, pode nos contar um pouco sobre você?
Eu me defino como uma pessoa apaixonada por pessoas. Dentro e fora do mundo do trabalho, eu sou curiosa pelas transformações, pelo que é novo e por viver experiências. De alguma forma, eu sempre soube que vim ao mundo para encorajar as pessoas a serem quem elas nasceram para ser e ajudá-las a se desenvolver em um mundo extremamente complexo e inovador. Também sou uma nerd perfeita, amo vinhos e leio muitos livros!
Como você começou sua trajetória profissional? Compartilhe com a gente um pouco sobre sua jornada, vivências. O que te levou a estar nesta área?
Minha trajetória profissional começou de uma forma muito “torta”. Decidir a trilha de carreira com 17, 18 anos não é uma tarefa fácil e, como todo jovem, eu acreditava que a profissão certa para mim seria aquela que eu pudesse de alguma forma trabalhar com o diferente. Por isso, escolhi fazer Publicidade e Propaganda, com foco em Criação. Já na faculdade, eu me dei conta que não nasci para trabalhar nesse tipo de mundo de ideias, me sentia muito deslocada, não pertencente, mas como sou muito teimosa, eu fui em frente e me formei com louvor.
Cheguei a trabalhar em uma agência de publicidade na área de Atendimento e, por conta disso, segui um fluxo na área de Relacionamento com Cliente (Comercial) em empresas de diversos setores (Seguradora, Logística e Educação), até que recebi um convite para trabalhar em uma consultoria de RH. Foi ali que a ficha caiu e eu me senti finalmente pertencente a algum lugar. Aquele incômodo que eu sempre sentia sobre o que estava fazendo com minha carreira acabou quando tive a oportunidade de mergulhar no mundo do desenvolvimento humano. E cá estou hoje, muito certa de que estou atuando com aquilo que me conecta ao meu propósito. Voltas que a vida dá - e, no meu caso, ela deu muitas (risos).
Ao longo deste caminho, quais referências femininas você leva consigo? Fale-nos sobre o que admira nelas.
Sem dúvida nenhuma, a minha mãe é uma grande referência para mim. Admiro sua resiliência e a forma como ela nunca perde a fé de que as coisas darão certo. Ela perdeu três filhos durante as gestações devido a um problema hormonal que foi descoberto muitos anos depois e, para eu conseguir nascer, travou uma verdadeira batalha contra as adversidades. Procuro constantemente incorporar na minha vida essa força que ela teve e tem.
Outra mulher que admiro é a Coco Chanel. Ela montou um grande império, com uma moda atemporal, além de também ter enfrentado muitas adversidades da época, se tornando, até hoje, referência na sua área de atuação. Destaco também sua garra e resiliência como pontos que admiro, e o mais bacana é saber que ela trabalhou até os últimos dias de sua vida, deixando um legado importante por onde passou.
Ocupar um cargo de liderança já fazia parte dos seus planos desde o início? Quais passos você deu para chegar a esta cadeira? Você enfrentou preconceitos?
Eu nunca tive a ambição de ocupar um cargo de alta liderança. Acredito que o mundo corporativo de certa forma cobra, ou muitas vezes até impõe, que para sermos considerados profissionais de alta performance, necessariamente, precisamos ocupar as mais altas cadeiras. No caso das mulheres, isso é ainda mais forte. É como se, para provar que somos capazes, temos que ocupar cargos de liderança, temos que ter essa ambição dentro de nós. Eu sempre pensei o contrário: acredito que devemos seguir nosso propósito e estar nos cargos nos quais sentimos que estamos atuando em nossa plenitude, sem esquecer do que é importante para nós. Estamos em uma era que nos permite falar sobre propósito, sobre escolhas e, para as mulheres, especificamente, acredito que estamos aprendendo a entender que a escolha é, acima de tudo, nossa e não do externo.
A ambição tem um viés de gênero. Mulheres ambiciosas são vistas como gananciosas e arrogantes; homens são focados e corajosos. Para você, como essa interpretação equivocada pode impedir mulheres de chegarem à liderança?
Infelizmente, este viés é uma dura e difícil realidade que enfrentamos não só no mundo do trabalho. Batalhamos arduamente para desmistificar esta errônea percepção. A questão de como trabalhar essa desmistificação depende muito da cultura organizacional em que a mulher está inserida, e como as mulheres poderão adaptar e trabalhar suas competências para alcançar seus objetivos. O primeiro passo é entender quais são os seus valores, o seu gerenciamento do tempo e quais as principais habilidades requeridas na posição da liderança. Assim, por meio de mentoria, coaching, trocas com líderes da organização, por exemplo, desenvolver um plano de ação que suporte todos os aspectos necessários. Não há certo e errado, e sim como adaptamos e trabalhamos nossas competências em sinergia com as nossas escolhas e o ambiente no qual estamos inseridas.
Em meio à transformação digital, como a presença feminina pode reverberar em conquistas e quebra de paradigmas para todas?
A era digital é a era do potencial humano e carrega com ela uma grande oportunidade de falarmos cada vez mais sobre competências comportamentais. As mulheres, em seus diversos papéis, aprendem logo cedo (às vezes, duramente ou por necessidade) a desenvolver importantes competências que hoje são tão valorizadas e procuradas no mundo do trabalho, tais como colaboração, comunicação, escuta ativa, empatia, flexibilidade, abertura ao novo, resiliência, curiosidade etc. Competências essas que têm levado mulheres a atingir posições de grande responsabilidade nas organizações que, como consequência, têm mostrado para todos que o lugar da mulher é onde ela quiser, é onde ela escolhe estar, quebrando, inclusive, diversos paradigmas e vieses pré-estabelecidos sobre suas capacidades, habilidades e conhecimentos. Ainda bem que a era digital tem mostrado que o lado humano é o fator mais importante para andarmos cada vez mais de mãos dadas com todas as transformações.
Como uma mulher líder, quais atitudes você tem para incluir e empoderar outras mulheres em seus trabalhos?
Eu diria: conversem, troquem, se unam! Uma mulher empodera outra mulher quando compartilha seus feitos, fala sobre o que deu certo e também o que não deu. Quando pede ajuda, conselhos, orientação, e mostra que não podemos - e nem devemos - ser perfeitas ou melhores do que as outras, mas, trocar mais, se apoiar mais. É fundamental criar uma rede de conversas e de apoio mútuo. Desta forma, eu acredito que teremos mais força para lutar por mais igualdade no mundo do trabalho, sem esquecer, claro, das escolhas. Se empoderar e empoderar mais mulheres é trabalhar as ações que fazem sentido para nós, sem deixar a cobrança do externo afetar aquilo que para cada uma é valioso.
Em uma perspectiva da organização, quais ações podem e devem ser tomadas, no presente, para incluir, dar visibilidade e colocar mulheres em posições de decisão?
Uma reflexão importante que as organizações devem fazer é: estamos avaliando e dando oportunidades a todos e todas de forma igualitária? Ou utilizamos vieses inconscientes neste momento de tomada de decisão? O peso utilizado para uma avaliação, promoção, reconhecimento é o mesmo ou a lente utilizada é diferente quando se trata de homens e mulheres? Se é diferente, por que é? O que nos levou a agir desta forma?
Uma maneira também interessante das organizações responderem os questionamentos acima é escutar como homens e mulheres do mesmo nível sentem que são conduzidas avaliações, tomadas de decisão, momentos de feedback e avaliações de desempenho. Penso que não há uma fórmula que funcione para um da mesma forma que para o outro, mas existe a oportunidade de as organizações criarem espaço para esses tipos de questionamentos, reflexões e discussões, recalculando rotas para construir e fortalecer a equidade. Resumidamente: se questionem e ouçam o seu pessoal!
Qual conselho você daria para mulheres que desejam ocupar cargos de liderança?
Bom, eu resumiria em cinco conselhos:
Como você quer que o mundo do trabalho seja para as mulheres do futuro?
Gostaria de viver em um mundo onde se vive mais a igualdade do que um mundo em que só se fala sobre ela. É claro que é importante debater as pautas, como fazemos hoje, para quebrar paradigmas e combater os vieses inconscientes, mas a mudança não vai acontecer só se debatendo, é preciso agir e transformar. Acima de tudo, não ter medo dessa transformação.
A presença feminina é transformadora, realizadora, potente e urgente. Que tal aproveitar esse conteúdo para criar diálogos na sua empresa e ouvir as mulheres que estão em seus times? Assim, você poderá conhecer as perspectivas, os desejos, as demandas e os objetivos, favorecendo também as conversas de carreira e o desenvolvimento de lideranças femininas.
Lembre-se: o chamado pelo espaço e pela voz das mulheres é agora. Mulher, presente.
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Até a próxima!