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Em mais um artigo da nossa série sobre a importância das vagas afirmativas, trataremos das ações inclusivas no mercado de trabalho para as pessoas com deficiência, as únicas garantidas por lei em todo o Brasil.
Mas, primeiramente, falaremos sobre o termo correto para se referir a alguém que tenha qualquer tipo de deficiência física, mental, intelectual ou sensorial: Pessoa com Deficiência, ou PcD.
A intenção do termo é justamente denominar cada pessoa de forma correta e respeitosa, segundo a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito das Pessoas com Deficiência, publicada em 2006.
Também é interessante ressaltar que as expressões PNE (Pessoa com Necessidades Especiais) ou PPD (Pessoa Portadora de Deficiência) são equivocadas e beiram o preconceito, devendo ser removidas do nosso vocabulário, dentro e fora das empresas. Falaremos mais sobre termos capacitistas ao longo do conteúdo.
Para começar, vamos compreender melhor como funciona a Lei de Cotas para PcD. Boa leitura!
A Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, institui o Estatuto da Pessoa com Deficiência, criado para garantir a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, além de acesso a outros serviços e atendimentos.
Contudo, anteriormente, em 1991, já havia sido estabelecida a chamada Lei de Cotas, que afirma que toda organização com mais de cem colaboradores precisa reservar uma parte de suas posições para as pessoas com deficiência.
Ou seja, são como vagas afirmativas garantidas por lei e para pessoas em todos os níveis de carreira, de jovens aprendizes a profissionais seniores. O número dessas posições reservadas varia conforme o total de colaboradores que cada organização mantém:
Bastante importante para a diversidade e a inclusão, não é mesmo? Na prática, o cenário costuma ser um pouco diferente. O Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil, do Portal da Inspeção do Trabalho, nos apresenta dados de 2021: 50,19% das vagas reservadas para PcD estavam desocupadas naquele ano.
O que isso significa? Que mais da metade das posições que deveriam ser ocupadas por pessoas com deficiência ficam disponíveis, e as empresas acabam deixando de cumprir as cotas. Outro número alarmante é que, dentre as vagas no setor de administração pública, há um déficit de 88,39%.
Em 2016, o total de vagas reservadas e ocupadas era de 44,79%; então, durante 5 anos, podemos perceber que as organizações deram certa atenção ao cumprimento das leis para PcD, mas o panorama continua longe de ser o ideal.
Conversamos com Yvy Karla Bustamante Abbade, Vice-Presidente na Universidade Livre para a Eficiência Humana, a Unilehu, e Consultora Especialista em Diversidade & Inclusão, sobre tal cenário: “os empregadores, frequentemente, relatam que enfrentam desafios ao preencher as posições reservadas para pessoas com deficiência, resultando em uma porcentagem significativa de vagas desocupadas. E algumas das justificativas mais comuns são: falta de candidatos considerados qualificados, restrições físicas ou estruturais, barreiras sociais e estigmas e ausência de apoio público ou isenção fiscal”.
Yvy Karla também comenta uma das principais medidas que podem ser tomadas para a reversão do quadro: “as organizações devem desenvolver programas de conscientização para eliminar preconceitos e estigmas associados à contratação de pessoas com deficiência, e isso pode ser alcançado por meio de treinamentos e workshops com lideranças e colaboradores, destacando os benefícios da inclusão e da diversidade no local de trabalho”.
Hoje, a Lei de Cotas se aplica a qualquer pessoa com deficiência física, auditiva, visual, mental ou múltipla, seja ela visível no ambiente de trabalho ou não.
Contudo, para ter direito às posições reservadas, é necessário que a condição de PcD seja atestada por meio de laudo médico e Certificado de Reabilitação Profissional, emitido pelo INSS, não importando se a deficiência é natural, ou seja, desde o nascimento, ou se foi obtida após algum acidente ou doença.
A despeito das leis específicas que regulamentam a inclusão desses profissionais no mercado de trabalho, não há outras regras para a contratação de pessoas com deficiência. Portanto, a empresa deve seguir as normas estabelecidas pela CLT que se aplicam a todos os colaboradores.
Porém, quem é PcD pode ter horário flexível e reduzido, com salário proporcional, dependendo de seu grau de deficiência ou necessidade de tratamento médico. Ainda, as pessoas com deficiência têm direito à habilitação e reabilitação profissional e uma rotina de trabalho adequada, além das adaptações necessárias para que o espaço físico se torne acessível.
Em breve, com o censo demográfico atualizado pelo IBGE, vamos conhecer quantas pessoas com deficiência vivem atualmente no nosso país. Os últimos dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 2017, apontavam que quase 24% da população tinha algum tipo de deficiência, equivalendo a aproximadamente 45 milhões de pessoas.
A grande maioria desse grupo enfrenta dificuldades para ingressar no mercado de trabalho, mesmo com a Lei de Cotas. Também segundo o IBGE, 7 em cada 10 PcD não conseguem emprego, e as que conseguem, recebem, em média, R$ 1.000,00 a menos que outros profissionais.
Além do preconceito, as pessoas com deficiência enfrentam outros desafios até chegar ao mercado de trabalho. A falta de acessibilidade é um dos principais, e vai desde problemas com a infraestrutura urbana e meios de transporte públicos inadequados até escritórios não adaptados.
“As pessoas com deficiência, muitas vezes, enfrentam obstáculos no acesso à educação inclusiva e a programas de formação profissional. Essa falta de qualificação pode afetar as chances de concorrer a empregos qualificados”, complementa a Vice-Presidente da Unilehu, Yvy Abbade.
Várias pessoas com deficiência relatam sentir que são contratadas pelas empresas somente para a legislação ser obedecida, o que complica ainda mais o mercado de trabalho. O que as organizações precisam compreender é que há diversos benefícios na contratação desses talentos. Confira na sequência.
Ao abrir as portas da empresa para uma PcD, os outros colaboradores se sentem mais engajados e acabam compreendendo que cada pessoa é diferente e pode contribuir de maneiras diferentes, o que traz mais empatia para o dia a dia, assim como produtividade e inovação.
Muitas pessoas ainda são preconceituosas, infelizmente, e acreditam que profissionais com deficiência são menos capazes. A convivência, portanto, reforça a ideia de igualdade e faz com que vieses inconscientes sejam deixados de lado.
A contratação de uma PcD demonstra o compromisso da empresa com as pautas de diversidade e inclusão e a agenda ESG, o que pode atrair clientes e colaboradores que valorizam esses princípios.
Pessoas com deficiência têm habilidades e experiências valiosas, mas elas acabam se tornando subutilizadas no mercado de trabalho. Incluir uma PcD na organização, portanto, é uma oportunidade de abordar desafios com outros pontos de vista.
Todo processo seletivo para a contratação de novos colaboradores deve ser feito com atenção e respeito, mas quando falamos de vagas afirmativas ou reservadas para PcD, o cuidado deve ser ainda maior. Por isso, preparamos algumas dicas importantes. Confira a seguir.
Durante o recrutamento e a seleção, é fundamental que os requisitos da vaga estejam adequados ao que o profissional realmente precisa realizar no dia a dia. Também é possível evitar a exigência de habilidades ou experiências que a pessoa candidata pode aprender depois, trabalhando.
A Consultora Especialista em Diversidade & Inclusão, Yvy Karla Abbade, ressalta os questionamentos a serem evitados: “o foco deve estar nas habilidades e qualificações profissionais do candidato, não em sua condição física ou mental. É inadequado perguntar detalhes específicos da deficiência, sobre sua saúde geral ou licenças médicas anteriores. Essas discussões podem ocorrer posteriormente, caso a pessoa seja selecionada”.
Se cada participante do processo seletivo tiver uma deficiência diferente, as entrevistas também precisam ser diferentes. Um candidato é deficiente auditivo? Conte com a ajuda de um intérprete de Libras. O outro utiliza cadeira de rodas? Pense na acessibilidade até o local da conversa ou dê preferência às conversas online.
A equipe de RH também precisa se preparar corretamente para cada entrevista, pesquisando e aprendendo, com antecedência, sobre a deficiência dos participantes. Isso ajuda até mesmo na condução mais correta das perguntas.
Dando continuidade à dica anterior, a acessibilidade é imprescindível a qualquer empresa que contrata uma pessoa com deficiência. Para além do momento da entrevista de seleção, a organização deve avaliar se todos os locais são seguros e permitem que a PcD tenha autonomia. Isso inclui móveis adaptados, sanitários, pisos, rampas e placas de sinalização.
Você desenvolveu um processo de R&S humanizado e inclusivo, certo? Então, é hora de levar a inclusão também para a fase de integração e adaptação dessa nova pessoa colaboradora.
Para isso, os gestores diretos podem ser envolvidos desde o primeiro momento — lembrando que as lideranças devem dar o exemplo da igualdade e do respeito que precisam prevalecer em todas as equipes de trabalho.
Se você acha que ainda não se preparou corretamente para conduzir um processo seletivo envolvendo pessoas com deficiência, considere pedir ajuda. Há diversas ONGs que trabalham com acessibilidade no mercado de trabalho e consultorias de R&S e gestão de talentos que podem facilitar o seu dia a dia.
Conforme as cotas previstas no artigo 93 da Lei nº 8.213, uma pessoa com deficiência só pode ser demitida de uma empresa quando houver um substituto, também PcD, para ocupar a mesma posição:
“§ 1º — A dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante. (Vide Lei nº 13.146, de 2015).”
Confira nossos outros artigos da série sobre as vagas afirmativas:
Desde o início da pandemia da Covid-19, lá em 2020, houve um crescimento no número de vagas de trabalho remotas. Inclusive, este foi um dos assuntos mais comentados na época e segue sendo tendência para a atração e a retenção de talentos.
Por isso, o questionamento que fica é: será que o home office pode ser um caminho para ampliar a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho?
No Brasil, abrir vagas de empregos para PcD ainda é um grande desafio em milhares de empresas, e a acessibilidade, muitas vezes, está no topo da lista de barreiras que impedem algumas contratações, visto que as organizações ainda não têm espaços adequados e inclusivos, principalmente as de pequeno e médio porte.
Além disso, podemos citar as dificuldades que as pessoas com deficiência enfrentam quando o assunto é locomoção. Desde a falta de ônibus adaptados e sinalizações inteligentes até a má conservação de calçadas: tudo isso afeta a rotina de uma PcD que está indo trabalhar.
Se a adoção do trabalho remoto, ou mesmo híbrido, é sempre citada quando falamos sobre qualidade de vida para os colaboradores, por que não aproveitar tais formatos para abrir oportunidades para profissionais com deficiência? Com certeza, o impacto seria positivo tanto na vida pessoal quanto profissional desses talentos.
Contudo, não é porque a PcD está trabalhando em casa que a empresa não precisa se preocupar com acessibilidade ou conforto. Fornecer móveis e equipamentos adequados para a realização das tarefas, ou contar com intérpretes de Libras durante as videochamadas, são alguns exemplos de que a inclusão também é parte do trabalho remoto.
“É importante ressaltar que as vagas remotas não são a única solução para os desafios enfrentados pelas pessoas com deficiência no mercado de trabalho, mas certamente representam uma alternativa viável e inclusiva. (…) Ainda é necessário que as empresas estejam comprometidas com a promoção da diversidade e da inclusão, proporcionando igualdade de oportunidades, adaptações razoáveis e um ambiente de trabalho acessível, mesmo no contexto remoto”, conclui Yvy Karla Bustamante Abbade.
Capacitismo é o termo que nomeia a discriminação de PcD, baseada na subestimação da capacidade e aptidão das pessoas por conta de suas deficiências. Ou seja, é o preconceito que muitos ainda têm de que pessoas com deficiência não conseguem realizar essa ou aquela tarefa.
Assim como o racismo e o etarismo, o capacitismo também faz parte do nosso dia a dia e, por diversas vezes, acontece sem que outras pessoas percebam ou se posicionem de maneira contrária.
Para você compreender melhor este cenário, destacamos três tipos de capacitismo:
Você já deve ter lido alguma notícia sobre pessoas processadas ou demitidas após falas preconceituosas contra uma PcD, certo? Isso acontece com base na Lei Brasileira de Inclusão, a LBI, que assegura que o respeito é um dos principais direitos das pessoas com deficiência.
O capacitismo pode ser evitado — e combatido — quando tratamos todas as pessoas com equidade e respeito. E isso começa com mais informações e conversas. Por exemplo, já perguntou a um colega com deficiência quais são as atitudes que o incomodam ou o chateiam?
Diversas expressões que fazem parte do nosso vocabulário popular são capacitistas, e talvez você nunca tenha pensado sobre isso. A lista de frases discriminatórias é bem grande, mas separamos alguns exemplos para que você comece a repensar quais precisam ser excluídas do seu dia a dia e do espaço de trabalho. Vamos lá?
“É imperativo combater o capacitismo e promover a inclusão e a igualdade de oportunidades para todas as pessoas, independentemente da sua condição física ou mental. Isso requer conscientização, mudança de atitudes, implementação de políticas inclusivas, garantia de acessibilidade e criação de um ambiente que valorize e respeite a diversidade das pessoas”, analisa Yvy Abbade.
Um ambiente de trabalho acessível é fundamental para que todas as pessoas, independentemente de suas histórias, experiências ou deficiências, tenham acesso às oportunidades e aos aprendizados da mesma maneira. Mas a acessibilidade vai além de adaptações físicas.
A cultura organizacional, as habilidades das lideranças e os treinamentos com os demais colaboradores devem entrar na equação quando falamos sobre vagas afirmativas ou reservadas. Respeitar e valorizar as diferenças de cada pessoa é uma forma de promover equidade e incentivar times e empresas a terem mais criatividade e empatia.
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