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Quando você está no início da sua carreira, não faltam conselhos para entender como ser contratado, como criar uma boa impressão ou como conseguir alcançar os mais arrojados objetivos profissionais. Mas o que falamos muito pouco é sobre os conselhos que você não deve seguir, e existem muitos destes por aí.
Algumas das dicas sobre carreira mais comuns – seja você mesmo, foque nos seus pontos fortes, siga seu coração – não funcionam inteiramente no mundo real. Mesmo que estes conselhos pareçam “intuitivamente certos”, há hoje dados e pesquisas que sugerem que você pode se sair melhor fazendo exatamente o oposto disto.
Aqui estão alguns dos “bons e velhos conselhos” que você pode ignorar e o que você deve fazer em vez disso:
Este talvez seja o mais usado e mais perigoso dos conselhos de carreira. Em questões de trabalho, especialmente entrevistas de emprego, as pessoas não querem ver a sua personalidade “sem filtros”. Elas estão interessadas em ver a sua melhor versão , ou seja, você no seu melhor comportamento, falando o que eles querem ouvir, mesmo que isso não seja exatamente algo que você diria. Cumprindo etiquetas sociais, sendo controlado e jogando o jogo da apresentação você tem mais chances de conseguir um emprego. Sendo “apenas você mesmo”, é possível que seja percebido como alguém mimado ou narcisista.
A tabela abaixo explica este ponto:
Pergunta | Resposta autêntica | Resposta ensaiada |
Você gosta de trabalhar em equipe? | Depende. Algumas pessoas são insuportáveis, mas gosto de trabalhar com quem pensa como eu. | Eu adoro. Eu vivo pela ideia de que não se faz nada sozinho. Sou ainda melhor quando faço parte de um time de pessoas ajudando pessoas. |
Por que você se candidatou a essa vaga? | Para ser sincero, porque o salário é bom e eu estou ficando sem opções. E também ficaria bom no meu currículo e me ajudaria a achar um trabalho melhor depois. | Pode parecer bobo, mas este é meu trabalho dos sonhos. Fazer parte desta empresa tem um valor imensurável para mim. Todo mundo sabe que vocês são os melhores no que fazem. |
Conte-nos sobre uma situação em que você precisou demonstrar liderança. | Eu tenho 20 anos, então não tenho muita experiência com liderança. Além disso, a vaga que estou me candidatando nem inclui responsabilidades de líder, então por que isso importa? | Eu sempre gostei de liderar e sou um “líder servidor”. Eu lidero para ajudar os outros e fazê-los melhores. Durante a pandemia eu me voluntariei em uma escola perto de casa para ajudar os professores com as aulas online. |
Onde você se vê daqui cinco anos? | Se tudo der certo, no seu lugar: ganhando muito e fazendo pouco. Na verdade, eu não faço ideia. Quem pensa tão longe hoje em dia? | Eu espero crescer dentro da companhia e contribuir ainda mais para os objetivos da organização e, claro, aprender muito durante essa jornada. |
Fonte: Tomas Chamorro-Premuzic | © HBR.org |
O que fazer então?
Em qualquer situação importante, como uma entrevista, você será recompensado se puder controlar como você é visto. Ou, nas palavras do grande sociólogo Erving Goffman: “Aja como quer que as pessoas te enxerguem, mesmo que não seja 100% verdadeiro”. A ciência das impressões sociais mostra que o melhor a se fazer é entender o que as pessoas esperam de você e então moldar seu comportamento para evitar desapontá-los. Entenda o contexto. Por exemplo, se você está falando com um recrutador de uma startup de tecnologia, você não deve usar a mesma roupa que usaria em uma entrevista para um banco ou uma empresa mais conservadora.
Isso não significa ignorar os seus princípios ou ser um impostor. É, na verdade, uma maneira de usar inteligência emocional para interpretar o que a empresa espera de você. Isso pode ser diferente daqui cinco anos, quando você estiver estabelecido no mercado, mas você precisa jogar o jogo antes de poder quebrar as regras. Você pode até ser o melhor, mas a entrevista de emprego é sobre convencer as pessoas disto.
O mundo seria melhor se as pessoas tivessem mais sucesso por sua competência do que por sua confiança. Em um mundo perfeito, você não precisaria gastar tempo promovendo sua imagem, personal branding ou com politicagem. Mas, infelizmente, isto não é a realidade. Muita confiança e pouco conteúdo irão te levar mais longe do que muito conteúdo e nenhuma confiança. No mundo do trabalho, pesquisas continuam mostrando que conexões, boas impressões e saber aparecer costumam superar talento e potencial.
O que fazer então?
Sua marca pessoal é a grande condutora do sucesso da sua carreira, mais do que o trabalho sem si. Isso significa que mesmo as pessoas mais talentosas se beneficiam muito de criar relacionamentos mais fortes com seus líderes e ter certeza de que pessoas influentes vejam seu valor. Para você, meu conselho é que aprenda a ser (de maneira humilde) seu maior torcedor. O cenário ideal é que o seu chefe te veja como modesto e talentoso. Ser muito explícito ou assertivo pode acabar saindo pela culatra.
Observe pessoas em posição de poder e tente entender quais problemas eles estão tentando resolver. Então, mostre como você pode ajudar. Esta é uma melhor fórmula para o sucesso do que ignorar os outros e focar apenas no seu trabalho. Mesmo alguns dos maiores artistas de todos os tempos, como Van Gogh e Mozart, morreram esquecidos porque não passaram tempo suficiente fazendo o jogo da política dos negócios.
As pessoas amam essa dica de carreira, porque é muito mais fácil do que seguir a alternativa “reconheça e mitigue suas fraquezas”. O problema é que nossos pontos fortes nascem a partir de coisas que são naturais para nós – partes espontâneas de nós que criam e melhoram nossa reputação com os outros. E, enquanto todos têm seus pontos fortes, é virtualmente impossível ter sucesso em qualquer área da vida a não ser que você esteja ciente e trabalhe suas fraquezas também.
Por exemplo, você pode ser a pessoa mais inteligente do mundo, mas se você não tiver empatia e humildade, sua inteligência fará você parecer arrogante e frio. Você pode ser o mais talentoso dos escritores, mas se você não tiver controle sobre si mesmo, você nunca irá produzir muito ou fazer entregas no prazo. E, muitas vezes, se usados a exaustão, seus pontos fortes podem se tornar suas fraquezas: muita confiança pode se tornar desilusão, ser muito gentil pode fazer com que você evite conflitos e ambição extrema pode se tornar ganância.
O que fazer então?
Aristóteles pontuou que cada virtude é um ponto entre dois extremos. É melhor ser emotivo do que frio ou explosivo; é melhor ser curioso do que ter a mente fechada ou ser imprudente; é melhor ser criativo do que não ter imaginação ou ser excêntrico. Se seu objetivo é se adaptar ao mundo real e criar uma boa impressão nos outros – o que é muito útil no começo da carreira – aceite este conselho: celebre seus pontos fortes, mas também identifique os seus pontos fracos.
Os maiores realizadores são bastante autocríticos. Sua própria ambição é o resultado de suas tentativas de superar suas limitações e a incapacidade de se satisfazer apenas com suas realizações. Da mesma maneira, quando você sabe quais são suas fraquezas, você irá sentir um grande desconforto. E é este desconforto que pode levá-lo a melhorar – a fechar o “gap” entre quem você é e quem você quer ser. Isso irá levá-lo mais longe, mais rápido.
Enquanto essa dica de carreira pode ajudar você a ter uma ideia de o que fazer na vida, seguir suas paixões só pode dar certo se elas estiverem alinhadas com as demandas do mercado e seus talentos. É verdade também que paixões tendem a ser mais efêmeras do que pensamos: Este ano você pode ser um apaixonado por fotografia, mas ano que vem, talvez seja por ciências, escrita ou animação. Na maioria dos casos, se você só procura por oportunidades nos setores que você ama em vez de abrir suas perspectivas e considerar outras oportunidades que podem te ajudar a crescer, você acaba por perder trabalhos que poderiam alavancar sua carreira.
Você também acaba por desistir de uma chance importante de se descobrir – uma chance de aprender mais sobre o que você quer e o que você não quer ao se deparar com coisas novas das quais você pode desfrutar.
Lembre-se que seguir sua paixão pode ser uma estratégia que acaba te prendendo em sua zona de conforto, trabalhando apenas seus pontos fortes e, com isso, impedindo seu desenvolvimento.
O que fazer então?
Normalmente, quanto mais novo você é, mais você precisa abrir mão. Aos 20, você deveria pensar mais em alinhar seus interesses com oportunidades disponíveis e escolher aquela que irá te ajudar a aprender e crescer. Aos 30, talvez você queira trocar seu foco de conseguir recompensas em curto prazo para oportunidades de causar um impacto np longo prazo. Nos dois casos, é sábio ser flexível. Trate seus maiores interesses como “algo que seria bom ter”, mas coloque-os em standby até que apareça a chance de utilizá-los de maneira produtiva.
No fim das contas, é menos útil seguir suas paixões do que encontrar pessoas e oportunidades que te ajudem a crescer.
Mas a boa notícia é que, com o passar do tempo, você irá cada vez menos precisar renunciar àquilo que gosta.
Resumindo, a melhor coisa que você pode fazer agora é tentar fazer as melhores escolhas possíveis. Isto significa estar aberto e entender cuidadosamente os prós e os contras de cada oportunidade que aparecer para você. Sem esquecer que aquilo você valoriza é importante e você nunca deve violar a sua bússola moral. Assim, suas chances de sucesso irão aumentar se você puder alinhar o seu potencial, interesses e oportunidades.
*Artigo de Tomas Chamorro-Premuzic, publicado originalmente em: https://hbr.org/2020/10/4-pieces-of-career-advice-its-okay-to-ignore