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Nos artigos anteriores da nossa série especial Vagas afirmativas: entenda porque sua empresa deve promovê-las, você compreendeu como as ações afirmativas são importantes para grupos minorizados e comumente excluídos no mercado de trabalho, como as mulheres.
Agora, vamos entender qual a situação das pessoas indígenas e como as vagas afirmativas dedicadas a elas também são fundamentais para o desenvolvimento do país e a redução das desigualdades sociais.
Conforme o último Censo Demográfico, realizado pelo IBGE no ano de 2010, a população indígena brasileira contava com 896.917 pessoas. Dessas, mais de 324 mil moravam em zonas urbanas do país.
Nos próximos meses, vamos conhecer dados atualizados a partir do Censo Demográfico 2022 e compreender qual o contexto dessa população, já que as pessoas indígenas estão vivendo em todos os estados brasileiros, com maior concentração na região Norte.
Aqui, podemos abrir um parêntese e destacar que o primeiro censo demográfico aconteceu no Brasil em 1808, de acordo com registros de representantes da coroa portuguesa. Na década de 40, o IBGE foi criado para modernizar o serviço de estatísticas do país.
Contudo, a população indígena só passou a fazer parte das pesquisas em 1991.
Espalhados por todo o país, os indígenas representam 305 diferentes etnias, sendo as principais: Guarani, Ticuna, Kaingang, Macuxi, Guajajara e Yanomami. Há também o registro de 274 línguas, e o último Censo Demográfico mostrou que, aproximadamente, 17,5% da população não fala o português e 32,3% ainda são analfabetos.
O grande ponto de atenção é que hoje as pessoas indígenas estão vivendo momentos de grandes transformações sociais e culturais. Em um país onde a ancestralidade parece não ter mais vez, a saída é se adaptar fisicamente para que as próximas gerações consigam viver com qualidade, mas sem deixar de lado a cultura riquíssima de cada povo.
Os indígenas mantêm uma relação direta com a natureza, e muitos ainda vivem com o que podem produzir e extrair da terra e da água. A caça, a pesca e a agricultura são importantíssimas para todas as etnias, mesmo com suas diferenças culturais.
Há também as pessoas indígenas que vivem nas cidades e trabalham em outros setores da economia. No entanto, foram as mais afetadas no mercado de trabalho pela pandemia dos últimos anos, segundo pesquisa da FGV Social.
Quase 29% perderam suas rendas, e o desemprego, que aumentou no país todo, afetou mais a este grupo que os outros. Também houve redução nas jornadas de trabalho: o confinamento e o distanciamento social atrapalharam até mesmo quem precisa circular entre aldeias e cidades.
O professor, Mestre e Doutorando em Antropologia Social, Emerson Souza, da etnia Guarani, afirma que a população indígena enfrenta muitos desafios: “no Brasil, os indígenas são inviabilizados de várias formas no mercado de trabalho, e pouco tem sido feito, uma vez que o preconceito existe e foi criada uma imagem negativa sobre as pessoas indígenas. (...) A educação continua sendo insuficiente, estimula pouca ou nenhuma discussão sobre os 305 povos do Brasil e suas características geográficas, ou seja, as pessoas indígenas estão em todas as partes, isoladas nas grandes cidades ou nas grandes florestas, distribuídas em muitas comunidades urbanas e rurais”.
Atualmente, o Instituto Brasileiro de Economia compilou dados que mostram que a população indígena tem a menor taxa de participação no mercado de trabalho, a segunda maior taxa de desemprego e o nível mais elevado de profissionais atuando informalmente, deixando todos mais vulneráveis.
De cada 10 indígenas, apenas 6 conseguem trabalhar, e os números só pioraram desde 2019.
O acesso à educação de qualidade sempre foi mais desafiador para os indígenas. De todos deste grupo que estão desempregados, apenas 34,1% completaram o Ensino Médio e somente 6,3% têm formação superior.
O resultado de poucos profissionais com formação, é claro, são menos chances de ingresso ao mercado de trabalho. Se olharmos apenas a faixa mais nova da população, a taxa de desemprego é de 14,9% para jovens indígenas com idade entre 18 e 29 anos. A média nacional no país é de 14,2%.
Também a moradia dos povos indígenas, que costuma ser em regiões menos populosas e afastadas dos grandes centros, dificulta a busca por emprego. Ainda segundo o antropólogo Souza, não existe atualmente uma política de moradia para os indígenas nas cidades, afinal, os nativos do Brasil não existem na realidade de muitas pessoas e empresas.
O preconceito, como citamos anteriormente, entra para a lista das dificuldades que as pessoas indígenas enfrentam ao procurar uma vaga de trabalho. E mesmo que discriminação por etnia, cor, religião ou procedência seja crime, raramente os indígenas são chamados para participar de um processo de recrutamento e seleção.
Alguns chegam a esconder suas origens enquanto estão desempregados. O professor Emerson Souza reforça que já viu muitas pessoas indígenas que nem sequer contam sobre seu povo ou etnia enquanto buscam uma vaga de trabalho.
A informalidade é outro ponto que merece atenção. Além de ser complicado conseguir trabalhar, quando conseguem, os indígenas se deparam com ofertas informais e de baixa remuneração. A taxa de informalidade dentre as pessoas indígenas é de 48,5%, já a de pessoas brancas, por exemplo, é 33,3%. Também a média salarial mínima fica em torno de R$ 1.055,00.
A Lei 12.711, de agosto de 2012, tornou as ações afirmativas para pessoas indígenas, pretas e pardas obrigatórias em todas as universidades federais do Brasil. A reserva incide somente sobre 50% das vagas e deve ser igual à proporção desses três grupos de pessoas em relação à população total que vive em cada estado.
Contudo, consoante a mesma lei, as vagas não precisam ser afirmativas, separadamente, para cada um dos grupos — todos são beneficiados juntos. Ou seja, a reserva para PPIs, como as vagas das universidades costumam ser chamadas, podem ser preenchidas apenas por estudantes pretos ou pardos.
Ainda que existam leis estaduais que possam contornar a situação, apenas 44 das 67 universidades federais do país beneficiavam pessoas indígenas até 2019.
No entanto, Souza, da etnia Guarani, nos conta que muitas pessoas indígenas estão se formando atualmente nas mais diversas áreas de trabalho: “a questão é como será realizado um projeto que agregue esses profissionais ao mercado, e que crie, de fato, condições para que eles possam exercer suas funções”. Aqui, reforçamos, as vagas afirmativas para pessoas indígenas podem abrir espaço para um futuro com mais igualdade.
Para o professor Emerson Souza, as vagas afirmativas compõem um cenário importante: “eu chamo de reparações históricas. Existem poucas ações para os povos indígenas no Brasil, as políticas públicas pouco nos favorecem. (...) As pessoas indígenas precisam ser reconhecidas por seus valores e práticas, é preciso estimular a criação de meios possíveis e duradouros para que todos possam chegar ao mercado de trabalho. Tem muitos indígenas buscando meios de fortalecer sua comunidade e precisam de apoio de negócios governamentais e não governamentais”.
A educação é o caminho se quisermos olhar, de maneira diferente, para o mercado de trabalho. As vagas afirmativas para pessoas indígenas, nas diferentes regiões do Brasil, abrem portas para um povo que busca, diariamente, oportunidades e mais qualidade de vida.
Toda essa transformação, com certeza, não vai acontecer de uma hora para a outra. Mas quem quer ser agente da mudança pode impedir que preconceitos e estereótipos façam parte dos processos de recrutamento e seleção, permitindo a empregabilidade das pessoas indígenas nos mais diferentes setores.
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