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Dando continuidade à nossa série de artigos especiais sobre a importância das vagas afirmativas, hoje queremos conversar sobre o que essas ações significam para as pessoas pretas e pardas que, mesmo sendo maioria no Brasil, são historicamente excluídas e invalidadas no mercado de trabalho.
Mas começaremos relembrando: as ações afirmativas, como as vagas exclusivas para determinados grupos de profissionais, são projetos realizados por negócios públicos e privados que desejam corrigir falhas estruturais e, de alguma forma, reduzir as desigualdades sociais do país por meio de oportunidades para mulheres, a comunidade LGBTQIA+, pessoas negras, indígenas e mais.
Quer entender tudo sobre esse assunto e impulsionar a diversidade e a inclusão na sua empresa?
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Desde os anos 2000, estão sendo desenvolvidas ações afirmativas para as pessoas pretas e pardas, com quem o Brasil tem uma dívida por conta dos 388 anos em que sua economia esteve atrelada ao trabalho escravo.
Tais ações funcionam ainda como reparação histórica porque nenhum projeto ou política pública foi desenvolvido na época da abolição, o que fez com que os escravizados fossem conduzidos à pobreza e exclusão social — eles e seus descendentes.
Conversamos com Dirlene Silva, economista, professora e LinkedIn Top Voices&creator, sobre como a história do nosso país, aliada ao preconceito, contribuiu para a desigualdade social e a necessidade de reparação histórica: “os livros de história nos contam que, no início da colonização do Brasil, os negros desembarcaram como escravizados. Foram quase 400 anos do período escravocrata, sendo o Brasil o último país da América a abolir a escravidão. O que os livros não contam é que, após 13 de maio de 1888, na ocasião da Lei Áurea, os negros não podiam morar nas cidades, não podiam frequentar escolas e muito menos receberam terras como ocorreu com os imigrantes europeus que chegaram aqui posteriormente.”
Atualmente, dentre políticas públicas e afirmativas do país para a população negra, podemos destacar:
Você já pode compreender que as ações afirmativas, como as leis citadas acima, são formas de selecionar e apoiar pessoas em situação de “desvantagem”, permitindo que de alguma maneira elas participem de um cenário menos desigual. Para resumir, a equidade, que enxerga as diferenças e necessidades de cada indivíduo, é o caminho para a igualdade que queremos.
Segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, a cor da pele dos trabalhadores interfere em seus salários. Ao longo de 2021, pessoas brancas ganharam, em média, R$ 3.099,00 por mês, enquanto as negras receberam R$1.764,00 e as pardas R$ 1.814,00. Uma variação de mais de 75%.
A diferença salarial diminui de acordo com níveis mais altos de escolaridade e de funções realizadas, mas é importante destacar que menos de 30% das posições gerenciais, em todo o país, são ocupadas por colaboradores negros, ainda que esses representem mais da metade da força de trabalho.
“As desigualdades raciais são importantes vetores de análise das desigualdades sociais no Brasil, ao revelar no tempo e no espaço a maior vulnerabilidade socioeconômica das populações pretas, pardas e indígenas”, declara o IBGE no estudo Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil.
Mesmo a taxa de desemprego é desigual entre pessoas negras e brancas: 11,3% de brancos estiveram desempregados em 2021, enquanto mais de 16% dos pretos e pardos ficaram sem trabalho no mesmo ano.
Sendo assim, você já refletiu sobre como a sua empresa pode apoiar a entrada e o crescimento de pessoas negras no mercado de trabalho?
Voltando à questão das lideranças negras, que citamos a pouco, é extremamente importante abordarmos a falta de representatividade no mercado de trabalho. Segundo pesquisa recente, 45,7% dos entrevistados nunca viram uma pessoa preta na liderança, e 59% afirmaram que trabalham em empresas onde funcionários negros são menos da metade do quadro.
“Ter lideranças negras nas empresas chama-se representatividade! Hoje vivo uma representatividade que não vivi no passado. As inspirações de minha época eram pouquíssimas, como Glória Maria e Deise Nunes. Sendo nenhuma em minha área de atuação. (…) Foram mais de 30 anos de solidão na carreira no mundo corporativo em que jamais encontrei outra executiva negra. (…) Através de minha filha, que tem 8 anos, eu posso ver o efeito que a representatividade tem na geração atual e com certeza nas futuras.”, relata a economista Dirlene Silva.
As vagas afirmativas, como você já pode compreender nesse e em outros artigos da nossa série especial, visam a equidade nos espaços de trabalho. Ou seja, oferecer para cada pessoa o que ela, de fato, precisa, respeitando histórias, origens e necessidades diferentes.
No país com o maior número de pessoas pretas fora da África e tanta desigualdade social, apenas 1% das vagas são afirmativas e, dentre essas, só 5% são para a população negra. Em contrapartida, cerca de 74% dos brasileiros apoiam as ações.
Outra informação relevante, ainda dentro deste mesmo tópico, é que 44% das empresas não têm como meta para os próximos meses contratar minorias ou pessoas de grupos excluídos, contra apenas 23,7% que abrem vagas afirmativas com regularidade.
O que muitas organizações ainda não perceberam é que a diversidade e a inclusão contribuem fortemente para a inovação e a receita: conforme estudo publicado pelo Instituto McKinsey para a América Latina, empresas com mais diversidade étnica e racial na liderança têm lucros até 33% mais altos que outras.
Lucianne Silveira de Sousa, Coordenadora de R&S no ManpowerGroup Brasil, fala sobre as muitas companhias que ainda não enxergam a diversidade como uma frente estratégica: “embora muitas empresas tenham implementado políticas de diversidade e inclusão, a realidade é que várias vezes essas ações não são praticadas conscientemente ou não recebem a atenção necessária. A diversidade pode trazer muitos benefícios para as organizações, incluindo atração de diferentes talentos e mais engajamento com os clientes. No entanto, ainda existe resistência de algumas empresas, o que pode ser atribuído a preconceitos inconscientes, falta de conhecimento, e a ausência de uma liderança comprometida com a diversidade e a inclusão.”
Mas como queremos também trazer dados positivos neste artigo, conheça os setores que mais abriram vagas afirmativas para pessoas negras durante o ano de 2022: serviços financeiros, tecnologia, bancos, educação, TI, comunicação, produção digital, negócios imobiliários, e-commerce, varejo e telecomunicações.
Você já deve ter se deparado com os dois termos. Ainda que estejam relacionados, não significam a mesma coisa. Então, vamos lá: o racismo estrutural é o que está presente na estrutura da sociedade, fazendo as pessoas brancas pensarem que as negras são inferiores.
Já o racismo institucional é quando uma instituição, como empresas ou universidades, não promove um serviço, ou não dá oportunidade para determinada pessoa por conta de sua raça ou etnia. A descriminação também pode acontecer por meio de regras, práticas ou comportamentos adotados no dia a dia. Por exemplo, quando profissionais negros são excluídos de um processo seletivo apenas pela cor de sua pele. Ou seja, o racismo institucional é um reflexo do racismo estrutural.
Além de não pensar em diversidade e inclusão, muitas empresas não sabem como combater o racismo no ambiente de trabalho. E o desconhecimento pertence a muitas rotinas: 57% das pessoas que participaram da pesquisa Raça e Mercado de Trabalho não contam com um espaço de acolhimento ou denúncia em suas empresas; 80% nunca recebeu um treinamento sobre como proteger colegas negros; 54,7% já sofreram racismo de seus próprios líderes e 39% foram alvos de seus companheiros de equipe.
Com isso, percebemos que as vagas afirmativas e os processos de recrutamento e seleção com pessoas negras não são a única solução para o problema que divide o nosso país. Colaboradores precisam saber como conviver em espaço de igualdade e respeito, começando pelas lideranças.
Dirlene Silva comenta sobre como o letramento racial e um ambiente antirracismo fazem parte desse caminho para a construção de uma sociedade mais justa, inclusiva e equitativa: “ambos passos requerem estratégias, além de boa vontade, e unindo boa vontade à estratégia temos a intencionalidade. É importante salientar que a intencionalidade deve se tornar um comprometimento e vir do topo da pirâmide corporativa, envolvendo o RH, sendo estabelecidas metas com a diversidade. A partir daí, as ações de sensibilização, letramento racial e outras devem ser cascateadas para as demais lideranças. Criar um ambiente antirracista não é um processo rápido ou simples, pois estamos falando de mudança de mindset coletivo de uma sociedade que se formou com base em uma mentalidade racista.”
Talvez você já tenha ouvido esta frase de Vernā Myers, VP de Inclusão na Netflix: “diversidade é chamar para a festa, e inclusão é chamar para dançar”.
A professora Dirlene Silva explica a importância das pessoas se sentirem pertencentes aos espaços de trabalho: “diversidade é a pluralidade dos indivíduos. Logo, diversidade é quantitativo e significa quantas pessoas negras você tem na equipe ou na empresa. Já inclusão é qualitativa. São as ações que fazem com que as pessoas se sintam pertencentes. (…) Então, para garantir a inclusão, é preciso planejamento para a diversidade. É aí que está a estratégia. Há empresas bem-intencionadas, mas que não têm estratégia e infelizmente ocorrem tantos problemas, tanto para os profissionais contratados quanto para empresa, que ela (a empresa) acha que realmente isto não dá certo e acaba por desistir.”
Lucianne Sousa nos ajuda com esta questão: “é importante garantir que as perguntas sejam baseadas nas habilidades e qualificações pertinentes à função em questão, e sejam conduzidas de forma justa e imparcial para todas as pessoas candidatas, não podendo haver suposições sobre as habilidades ou experiências dos profissionais com base em sua raça, gênero ou outras características.”
A Coordenadora de Recrutamento & Seleção também destaca as perguntas que devem ser evitadas durante o processo seletivo:
“É fundamental que as pessoas da equipe de recrutamento estejam sensibilizadas para a diversidade e a inclusão, e que seja consigam reconhecer e combater preconceitos e estereótipos que possam surgir durante todo o processo”, finaliza Lucianne.
Além de abrir as portas para a diversidade, as empresas precisam compreender e garantir que os colaboradores se sintam valorizados e apoiados. Criar um ambiente de trabalho inclusivo é oferecer suporte e garantir que todas as equipes saibam lidar com a diversidade, em seus mais diferentes níveis.
Afinal, é assim que os profissionais que chegam por meio das vagas afirmativas podem se sentir realmente integrados e contribuir para o sucesso da empresa.
Para finalizar, Dirlene Silva compartilha uma citação do ex-presidente norte-americano Barack Obama: “aprendi a ir e vir entre meu mundo branco e meu mundo negro, certo de que, com um pouco de tradução da minha parte, os dois no final entrariam em convergência”. A frase diz muito sobre a ascensão social e a vida corporativa da economista e de tantas outras pessoas negras no nosso país.
Queremos saber a sua opinião: você está acompanhando e gostando de todos os nossos artigos sobre as vagas afirmativas? Está compartilhando os conteúdos em seu LinkedIn para levar tais conhecimentos até mais pessoas? E fique de olho que, em breve, voltamos com mais dados e reflexões sobre a importância das ações afirmativas para a sua empresa.