É inegável a força que o RH ganha à medida que detém conhecimento e ferramentas para apoiar pessoas e organizações a superarem os desafios do mundo do trabalho. No entanto, tamanha relevância conquistada também pode trazer algumas armadilhas em relação às responsabilidades da área. Esta questão faz parte das observações que me inquietam quando me deparo com os “hot topics” da Gestão de Pessoas. Por isso, gostaria de dividir um pouco das minhas reflexões aqui com você.
Recentemente, li um artigo da Harvard Business Review sobre a falta de confiança em relação ao RH. A pesquisa, citada no texto, apontou que o RH é uma das últimas opções a ser procurada pelas pessoas colaboradoras quando há algum problema no trabalho. Para resgatar a confiança e mostrar que a área está, enfim, defendendo também os interesses das equipes, são indicadas algumas posturas a serem adotadas — a atuação do RH como coach, mediador, mentor.
É claro que o RH deve ser íntegro e confiável em uma organização, concentrando-se, sobretudo, na sua essência mais genuína: a conciliação de interesses, demandas e objetivos de pessoas colaboradoras e do negócio. Deve também ser envolvido em questões críticas, como assédio, discriminação e outras violências.
Mas será que o RH precisa ocupar esse lugar de “central imediata de resoluções de conflitos”?
Considerando a complexidade do mundo do trabalho e as diferentes camadas (relações, propósito, produtividade, formato, comunicação etc.) que impactam as experiências das pessoas colaboradoras, acredito que a responsabilidade pelo ciclo de vida de talentos é algo a ser partilhado, primeiro, com as lideranças. Depois, em alguma medida, com as próprias pessoas colaboradoras, que devem assumir o protagonismo no desenvolvimento de suas carreiras.
Uma pesquisa da Oracle, de 2019, mostrava que 78% dos profissionais brasileiros acreditavam mais em robôs do que em seus chefes. Além disso, quando vemos estudos associando a má liderança aos casos de burnout; quando vemos a paranoia da produtividade aprisionando líderes na mentalidade de comando e controle; ou quando analisamos comportamentos como o quiet quitting e demissões voluntárias, ambos movidos, entre outros fatores, pela falta de reconhecimento e de possibilidade de crescimento profissional, entendemos que a gestão direta tem um impacto muito mais significativo no bem-estar holístico das pessoas trabalhadoras.
Outro estudo, da Gallup, revelou que apenas 21% dessas pessoas empregadas estão engajadas no trabalho — 23%, na América Latina — evidenciando, mais uma vez, que a satisfação das pessoas atravessa um período de crise. Este entrave, no entanto, só poderá ser superado quando líderes e profissionais de RH unirem forças, cada qual em suas devidas expertises e possibilidades.
Na parcela que cabe ao RH, está a função primordial de trabalhar estrategicamente as lideranças, para estarem preparadas para lidar com situações negativas, conflitos e descontentamentos da equipe, e para poderem transmitir o propósito e a cultura da empresa, ali, no dia a dia. Afinal, o RH olha para as pessoas, mas a gestão, na prática, está nas mãos de líderes.
As dinâmicas atuais e as perspectivas futuras do mundo do trabalho lançam luz para uma nova forma de liderar, em que a relação hierarquizada perde espaço para uma construção mais horizontal e humana. Não à toa, 60% dos líderes de RH afirmam que preparar lideranças é a prioridade em suas agendas. Liderança essa que precisa combinar autenticidade, empatia e flexibilidade para dar conta de promover a segurança psicológica, a autonomia, o bem-estar e o desenvolvimento de cada pessoa da equipe, especialmente no caso de times multigeracionais.
Construir espaço e condições para a liderança humana desabrochar deve ser o foco do RH, porque a partir disso líderes se sentirão mais confiantes para gerenciar seus times, e se sentirão mais engajados e confiantes com as propostas e projetos do RH; e as pessoas, por sua vez, poderão contar com líderes mais orientados e dispostos a afinar expectativas, alinhar demandas e encarar problemas.
Assim, se constitui, portanto, a confiança no trabalho do RH e no seu interesse em cuidar de pessoas, em todas as esferas da empresa. Afinal, se cada vez mais, a área está abraçando a missão de transformar o mundo do trabalho, ela começa, sem dúvida, por uma cultura na qual a confiança esteja presente no dia a dia de todas as relações.
Na sua empresa, o RH está atuando para desenvolver líderes alinhados ao presente e ao futuro do trabalho? Vamos continuar essa conversa por aqui, ou você pode me enviar uma mensagem.
Abraços,
Wilma Dal Col
Diretora de Gestão Estratégica de Pessoas no ManpowerGroup Brasil